De um sangramento no dente até um transplante de medula óssea bem-sucedido: conheça a história da Júlia Santos

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De um sangramento no dente até um transplante de medula óssea bem-sucedido: conheça a história da Júlia Santos

Julia ao lado da mãe, cogitada para o transplante haploidêntico

Em uma trajetória marcada por desafios e superações, Julia Santos Pereira, de 27 anos, compartilha sua história a partir do momento em que teve o diagnóstico de Leucemia Mieloide Aguda (LMA), em 2020. “Começou com meu dente, minha gengiva inchou muito”, recorda Julia, descrevendo o ponto de partida há três anos. O que inicialmente parecia ser um problema odontológico revelou-se um diagnóstico avassalador de um câncer no sangue.

Julia na Casa de Apoio durante um evento da AMEO.

Após uma série de eventos que envolveram desde coágulos de sangue na boca até uma gengiva inchada que se sobrepunha ao seu dente do siso, Julia foi até um dentista particular para entender o que estava acontecendo. Ele retirou o dente do siso, mas a cicatrização não ocorreu. Assim, a jovem decidiu ir ao dentista 24 horas do SUS, dentro de uma UBS perto da sua casa. Enquanto esperava ser atendida, desmaiou e ficou internada no Hospital Regional de Santo Amaro.

“Eu fiquei quatro dias na UTI sem saber de nada do que eu tinha”, relembra Julia sobre os momentos angustiantes enquanto aguardava um diagnóstico. A pandemia de COVID-19 complicou ainda mais sua situação, colocando-a em um ambiente onde a imunidade baixa a tornava vulnerável ao vírus. A equipe médica pediu exames de sangue, notou que os resultados eram preocupantes, mas não contaram nada à paciente, depois disso Júlia não saiu mais do hospital até o tratamento começar. Encaminharam-na para um hematologista, no entanto o hospital não tinha um médico especialista como esse.

Na espera de um especialista para confirmar o diagnóstico, Julia piorou, precisou de diversas bolsas de sangue e de plaquetas, ficou com a imunidade baixíssima e passou quatro dias internada na UTI. “Eu achei que não conseguiria sobreviver, eu realmente não sabia o que que era a doença, parece que eles já tinham contado para minha mãe, só que eles não podiam me dar o diagnóstico sem ter o resultado do exame de mielograma. Mas pediram para minha mãe não falar nada para mim”, conta Julia. Após 11 dias de agonia, Julia finalmente teve uma consulta com um hematologista, no ambulatório da Santa Casa de São Paulo, realizou um mielograma e teve a confirmação do diagnóstico de Leucemia Mieloide Aguda.

Ao ver seus exames, a médica se espantou com a demora no diagnóstico. “Menina, o que você está fazendo aqui? Já era para você estar tratando!”, foi o que a hematologista disse a Julia. “Aí foi aquele desespero, já conversaram com a assistente social, ela fez uma carta, já pediu para o motorista da ambulância não me deixar aqui na Santa Casa sozinha, eu vim para o pronto socorro e comecei o tratamento”, relembra Julia do momento do diagnóstico.

A partir desse ponto, o tratamento começou, foram 30 dias de internação para um tratamento mais intenso e depois mais seis meses de quimioterapia. “Foi muito chato. Eu me senti um anfíbio, um réptil, só ficava olhando para o teto sem poder fazer nada”, descreve Julia sobre o período de tratamento quimioterápico. O tratamento, embora bem-sucedido, modificou drasticamente sua vida, impondo isolamento e restrições durante um período já marcado pela pandemia. O contato com a família foi o que ela mais sentiu falta, já que sempre foi uma menina conversadeira, comunicativa e ligada à família.

Após um ano e meio em remissão, a doença foi recidivada em junho de 2022, apresentando uma nova etapa de desafios. “Os médicos sempre me falaram que podia ser que a doença voltasse e que se ela voltasse, eu teria que fazer o transplante.” Julia teve que lidar com a perspectiva de um transplante de medula óssea, um procedimento considerado arriscado, mas necessário para sua recuperação. “Antes de fazer o transplante, eu já sabia como seria, porque eu estudava, eu era curiosa e comecei a pesquisar. Era a coisa mais arriscada do tratamento, eu sabia que ia ser o mais pesado”, compartilha Julia sobre a fase de preparação para o transplante.

Hoje Julia é paciente assistida pela Casa de Apoio da AMEO e recebe apoio assistencial e psicológico. Além de poder compartilhar sua história com outras pessoas e conversar com pacientes que passaram pelo mesmo que ela.

Julia ao lado da mãe, cogitada para o transplante haploidêntico

Começou então a busca por um doador compatível que envolveu até mesmo o contato com o pai biológico que ela não tinha contato.Apesar dele não poder fazer o exame de compatibilidade, os meio-irmãos dela realizaram o HLA. Um deles foi 50% compatível, porém a compatibilidade não se confirmou nos exames mais detalhados. Os médicos estavam cogitando a realização do haploidêntico com sua mãe, metade compatível com Julia, entretanto, por conta da idade dela não foi possível. “Eles me disseram que se me doassem uma medula de 50 anos, quando eu tivesse 50 anos, minha medula seria de uma pessoa de 100 anos”, explica a jovem.

Julia recorreu então ao REDOME, Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea, registro brasileiro com 5,5 milhões de pessoas cadastradas e que possui convênio com outros registros internacionais, totalizando mais de 30 milhões de doadores cadastrados pelo mundo. Ela encontrou um doador internacional 100% compatível.
“Quando eu fiquei sabendo, me senti muito aliviada, é uma mistura de sentimentos. A gente fica aliviada e assustada, porque ainda tem a pior parte que é o transplante de fato, que envolve muita coisa”, confessa Julia.

Julia realizou o transplante em abril de 2023, depois de oito meses da doença voltar. O pós-transplante trouxe uma recuperação surpreendentemente rápida. “Fiquei 28 dias internada no hospital para o processo do transplante, minha medula pegou no D+13. Foi muito rápido, até os médicos ficaram surpresos”, compartilha Julia sobre o procedimento. Após um transplante bem-sucedido, a jovem está com a recuperação progredindo melhor do que o esperado. Cinco meses após o transplante, Julia expressa um sentimento de alívio, embora o isolamento ainda seja um desafio. “Me sinto muito bem, mas o isolamento é difícil”, revela ela, destacando a importância da saúde mental pós-tratamento. “A gente fica muito traumatizada com as coisas que vemos ao nosso redor durante o tratamento, vemos colegas morrendo ao seu lado. Fico triste pela pessoa e medo de acontecer comigo também”.

São Paulo, 10 de novembro de 2023
Texto e imagens: Andressa Villagra