São Paulo, 05 de dezembro de 2023
Andressa Villagra
Elisângela dos Santos, natural de São Paulo e atualmente residente em Itabaiana, Sergipe, enfrentou uma batalha árdua contra a Leucemia Mieloide Aguda (LMA). Aos 39 anos, casada e sem filhos, a auxiliar de escritório em um supermercado, desconfiou que estava com sintomas anormais. O primeiro sinal de alerta veio dos colegas de trabalho, que notaram sua palidez. Depois de um feriado de São João, ela procurou um médico em sua cidade por experimentar fadiga extrema e dificuldade para respirar ao realizar atividades rotineiras, como ir à padaria.
“Como você ainda está de pé?”, o médico perguntou a ela, após ser diagnosticada com uma anemia severa. Ela precisou procurar um hematologista em Aracaju, capital do estado, pois em sua cidade não havia médico especialista em doenças no sangue que pudessem interpretar precisamente as irregularidades encontradas no primeiro exame de sangue. Lá, ela passou por uma série de exames, foi encaminhada para o hospital e precisou tomar três bolsas de sangue. O primeiro mielograma revelou uma síndrome mielodisplásica e, posteriormente, outro mielograma decretou uma Leucemia Mieloide Aguda. “Quando descobri foi um estresse muito grande. Não sei explicar a sensação, fiquei entregue”, Elisangela relembra o momento do diagnóstico. “Comecei a pesquisar na internet e pensei positivo ‘eu preciso me manter calma e forte’”. Esse foi o lema que acompanhou a paciente do começo ao fim do tratamento.
Em Aracaju, o tratamento incluiu três ciclos de quimioterapia venosa. Em março de 2023, ela recebeu a boa notícia de que não estava mais com células cancerígenas. “Fiquei muito feliz, avisei todo mundo da minha família”. Ela havia entrado no estado de remissão da doença. No entanto, 20 dias depois, a doença voltou e com mais força. Elisangela sentiu muitas dores na perna direita, fez uma ressonância da bacia e detectou uma infiltração leucêmica com acometimento dos glúteos. A equipe médica da capital sergipana solicitou uma internação para receber o quarto ciclo de quimioterapia. Ela ficou 39 dias internada em Aracaju.
A doença não estava cedendo ao tratamento quimioterápico e Elisangela ficava cada dia mais debilitada. Os médicos decidiram, então, encaminhá-la para o Transplante de Medula Óssea que precisaria ser realizado em São Paulo, pois Sergipe não faz esse tipo de procedimento pelo SUS. Ela fez o processo pela rede pública e veio para São Paulo pelo PROADI (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde) no Hospital A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
Ela chegou em São Paulo em julho de 2023 e realizou o TMO haploidêntico no final de agosto. A prima Margarete foi a doadora 50% compatível, ambas tinham pai e mãe irmãos, por isso a compatibilidade foi maior. A irmã, que mora em São Paulo, também testou, mas por conta da idade e de doenças não foi possível doar. O médico procurou um doador no REDOME, encontraram um 100% compatível, porém não daria tempo de aguardar o procedimento de doação, pois a doença dela tinha se agravado.
Ela sempre soube da possibilidade de realizar o transplante. Mas nada do que pesquisou na internet a preparou para o que viveria no hospital. Passou por momentos difíceis, sem forças para tomar banho, ficou com sequelas no nervo ciático quando a doença voltou, o que a atrapalham a andar, pois não tem firmeza nos pés e pernas. As sessões de radioterapia a deixaram muito dolorida, principalmente no osso da bacia. Ela se infectou com uma bactéria comum em pacientes do transplante, chamada clostridium, o que provocou febre e problemas nos rins e bexiga. A paciente teve DECH no estômago o que ocasionou fortes diarreias. Detectaram infiltração leucêmica no Sistema Nervoso Central (SNC), ela estava com coágulos na membrana do cérebro, isso a deixou com alucinações, delírios e com confusão mental. Elisangela passou 20 dias internada na UTI. Mesmo após tudo isso, se perguntada sobre como foram esses momentos, Elisangela prontamente responde “foi muito tranquilo” com um sorriso no rosto. “Não procurava encasquetar, ficar pensando muito na doença em si”, conta Elisangela. “Não gosto de me martirizar”, completa ela.
O caminho para a recuperação não foi fácil. O pior deles foram os dias na UTI, por conta do acometimento do SNC. “Eu fiquei sozinha, não conseguia me mexer, com vergonha. Estava com medo, com muitas limitações. Mas sempre pensava positivo ‘vencer um dia de cada vez’. Deus me ajudou em tudo”, diz ela ao recordar os dias no hospital. Desses 20 dias que ela ficou internada, 10 dias deles foram esperando por um quarto, pois já estava em condições de sair da unidade intensiva. Mesmo assim, passou o aniversário sozinha na UTI.
Apesar disso ela fez amizades no hospital. A equipe era alegre e a distraía dos momentos difíceis do tratamento. No entanto, as perdas estão sempre presentes. “Hoje perdi uma amiga, Jaíne, que morreu da mesma doença que a minha. Apesar da gente saber que cada caso é um caso, ficamos mal e com medo”, revela Elisangela deixando transparecer a fragilidade da vida. “Por isso temos que nos cuidar ao máximo e sempre pensar em um dia de cada vez”, finaliza ela com a resiliência de toda a entrevista. O caminho para a recuperação não foi fácil. Elisangela enfrentou momentos desafiadores, incluindo uma internação prolongada e complicações neurológicas. Mesmo com a perda de uma amiga para a mesma doença, encontrou apoio na equipe médica e manteve a mentalidade positiva.
Parte dessa força vem de sua acompanhante. Heliana participou do processo de tratamento desde Aracaju. Ao contrário da maioria dos acompanhantes, Heliana Lima de Mendonça, de 30 anos, é amiga de Elisangela, não faz parte da família. Já fez, pois eram cunhadas, quando se conheceram há 15 anos. Ela largou sua vida em Itabaiana para acompanhar a amiga no tratamento em São Paulo. “Quando eu perguntei a ela se poderia me acompanhar também em São Paulo, ela topou de primeira”, conta a paciente.
As duas ficaram hospedadas na Casa Hope quando chegaram a São Paulo, no entanto não puderam voltar após Elisangela contrair uma bactéria Clostrídio, mesmo os exames já não apontando mais a existência bacteriana, por questão de segurança dos outros pacientes. Foi assim que a história delas encontrou a AMEO. Elas precisam de uma casa de apoio que oferecesse quarto com isolamento. A Casa do Transplante da AMEO possui três quartos desse tipo. “Foi ótimo, me senti mais livre, a alimentação mudou e pude comer o que estou acostumada.”
Com o tratamento concluído, Elisângela retorna para sua cidade natal, mantendo o acompanhamento médico em Aracaju. “O futuro é incerto, mas tenho esperança. Não sei se vou voltar à vida de antes. Mas espero que a doença não seja mais forte do que eu, a doença não vai me vencer”.